Eu, de coração, gostaria muito falar bem do nosso país. Falar das maravilhas naturais, do lindo povo que temos, da nossa música, de nossas bebidas, danças, rios, do calulú etc. É vergonhoso expor as nossas mazelas para o mundo. Todos os países têm seus problemas, só que lá, eles se entendem. Ninguém enfrenta a arrogância dos donos do poder. Não há banditismo político. Partido no poder não enfraquece partidos da oposição. Lá, ninguém é desprezado. Ninguém se considera mais dono do país. Não há casta dos eleitos, que se considera possuir uma procuração divina para fazer do país aquilo que bem entenderem. Ninguém está acima da lei. Não se puxa, alguns até puxam, com provas, mas não de forma escandalosa, os tapetes dos outros. Ninguém é enviado, para ser embaixador, como forma de punição.
Antes, gostaria fazer algumas considerações: eu não sou Doutor, como muitos pensam. Se eu continuar a aceitar isso, corro risco de ser condenado a quatro anos de detecção por insubordinação (prisão domiciliar). A verdade seja dita: o meu título é do século XXI e, portanto, possui restrições. Ele é diferenciado dos demais. Só pode ser usado em artigos científicos ou no meio acadêmico. Se alguém não se sentir à vontade em chamar-me pelo nome (que é mais lindo assim e não quando anteposto um “Dr”), que anteponha, então, o honroso "professor" ou então “Kota” como muitos já o fazem. Eu agradeço.
Em segundo lugar, neste momento, encontro-me deprimido. Deprimido mesmo. É verdade. Para além de estar passando por momento de reavaliação da minha carreira, acho também que o nosso país está de cabeça para baixo e patas para o ar. Muitas coisas estão erradas. Sem lógica. Parece que vivemos em tempos medievais. O imobilismo impede o desenvolvimento da máquina. Não é possível, só “progridem” aqueles que botam a culpa nos outros, os puxa-sacos, os puxa-tapetes dos outros, os intrigueiro e pessoas que desviam dinheiro do povo!
Já notaram que as pessoas, em nossos dias, tornaram-se imediatistas? Fascinadas pelo dinheiro que nem lhes traz felicidade, graças a Deus. Isso é tão verdade que muitos buscam, buscam e são visivelmente infelizes, além de só presentearem às suas famílias vergonha e dor e deixarem um legado vergonhoso aos seus filhos. "- meu pai foi corrupto". Tudo em nome da desenvolvimentira. Dinheiro roubado não é dinheiro, mesmo que seja da China ou mesmo que depois se refugie em alguma embaixada. Compensa ser corrupto? O homem deve comer do seu suor.
Uma coisa que também me incomoda é ver aqueles que nos governam a administrarem, somente, para aqueles que, do ponto de vista deles, merecem. Há tantas injustiças e erros e ninguém os assume. Humildemente, ninguém aparece, em público, como gostariam que Miala fizesse, para pedir desculpas. São malas sem alça. Está difícil manter esse sistema que nos foi imposto pelo MPLA, que é de alguns angolanos. A nossa sociedade tornou-se, demasiadamente, materialista, consumista, individualista e muitos "istas". Pior, nós somos incapazes de nos mobilizar para mudarmos a estruturas apodrecidas. Será que precisamos ter mil monges cristãos como está acontecendo em Mianmar?
A minha depressão aumenta ainda mais quando vejo algumas pessoas que se limitam a repercutir pensamentos de outros sujeitos que consideram guias, líderes e repetem fervorosamente, como se fossem carneirinhos.
Falando em carneirinhos, há poucos dias, eu tive a oportunidade de visitar um amigo que é criador de ovelhas. Eu precisava descansar um pouco. Lá, ele mostrou-se uma cena digna de registro. Pela manhã, bem cedo, ele levou-me até o curral. Abriu a porteira. Colocou uma vara atravessada na porta. A primeira ovelha pulou. Ele, então, a retirou (a vara). O curioso é que todas as ovelhas seguiram pulando uma vara imaginária. Tudo automático. Incrível. Nenhuma ovelha procurou saber por que tinha que pular (lei do menor esforço)...
Preocupo-me muito com opiniões gratuitas. Aquelas opiniões que mais atendem à natureza política ou à intenção do partido ou satisfazer o ego de alguém. Publicamente o indivíduo dá uma opinião, mas no íntimo, o coração diz outra coisa, se furta assim ao trabalho de reflexão. Muitas vezes vemos os puxadores de samba a ditarem os salmos a serem memorizados e repetidos com fervor: “obreiro da paz”; aí pronto vira um refrão das massas ou uma febre; “insubstituível”, muitos ecoam com fervor. A última foi “insubordinado” (e data de eleição? Isso é segredo de estado?)
Mas, no caso Miala, algumas coisas mudaram. Vi mais críticas que elogios ao comportamento do tribunal e da máquina secreta (que não é do povo angolano). Tem que ser assim. Muitos malharam o meu artigo anterior. Como fiquei feliz. A idéia é essa. Neste mundo ninguém é dono da verdade. Ninguém é melhor que ninguém. A verdade é um processo de construção. Cada um a vê de forma diferente. Entretanto, há sempre uma região comum. Ter cabelo branco ou experiência isso não acrescenta nada à verdade nem virtude. Ter experiência de fabricar bem as máquinas de datilografia, frente à nova realidade, é inútil. Também pode-se ter experiência de algo ruim. Ser doutor nem sempre significa saber tudo ou ser dono da verdade, mas de uma verdade profissional que no ano seguinte já se torna uma mentira. O mundo está em movimento. Ninguém deve pensar a vida toda da mesma maneira. Se ontem Romário foi o melhor jogador do mundo, hoje já é outro e amanhã será também outro atleta. Eu sempre prefiro pessoas relativizam: o fulano é bom. Agora, afirmar que o fulano é o único, é insubstituível, assim por diante, no mundo globalizado,hum...cheira ideologia da classe dominante.
Com o "caso Miala", vi inúmeras pessoas que fizeram a transposição do saber. Deixaram o piloto automático de lado. Muitos deixaram de ler as notícias superficialmente. Por exemplo, os comentários do dia seguinte, muitos repetiram que ele mereceu a pena porque não compareceu a duas (não três porque uma delas ele teve problemas familiares) cerimônias de despromoção. É muita pequenez pensar assim. Isso é agir nos efeitos. Mas, depois, muitos analisaram as causas, foram mais a fundo. Miala foi demitido pela insubordinação ou porque foi acusado de escutas irregulares, tentativas de golpe (as provas não foram apresentadas, agora cale-se para sempre), furtos e roubos? O país parou para o julgamento considerado do ano de um cidadão que teve a reforma compulsiva (o porquê?) ou por ser insubordinado? Acareação por ser insubordinado? Vi que muitos deram importatíssimas contribuições para tentar esclarecer esse imbróglio.
O "caso Miala” ainda é deslumbrante porque parece o fim de uma novela (diga-se de passagem, eu não assisto novela, mas no fim de semana que passou terminou uma e vi pessoas fazendo apostas para descobrirem quem matou alguém), ou de uma era prolongada com raízes profundas, da qual ninguém consegue explicar, exatamente, a grande razão da demissão do ex-chefe da “secreta”. Esse é assunto que, com certeza, gerará dissertações de Mestrado e teses de doutorado.
Outro aspecto positivo, muitos experimentaram a sensação de opinar. Descobriram que posicionar-se não é crime. Nos países onde não há “nhenhenhe”, os cidadãos se posicionam sobre todos os embates que aparecem no jornadear. Não ficam encima do muro. Isso exige que pessoas estejam abertas às opiniões diferentes.
Quando, por exemplo, no congresso da UNITA, alguns articulistas do MPLA se posicionaram em favor da eleição do deputado Abel Chivukuvuku, eles não estavam querendo dizer, com isso, que apoiavam a UNITA. Eles precisavam se posicionar para que ninguém, moralmente, viesse convidar-lhes, em público, para intervenção deles ou suplicar suas intercessões ou opiniões.
Lembro-me que quando eu fui mais moço, não tinha nenhuma simpatia pelas equipes do Inter de Luanda (do Ministério do Interior – Polícia) nem do 1o de Agosto (Ministério da Defesa – militar) mas, no confronto delas, a minha maior alegria era ver a vitória do Inter.
O caso Miala, por outro lado, é tragicômico porque as pessoas que deveriam mesmo dar alguma satisfação se esconderam atrás dos panos. Começando pelo presidente, eleito democraticamente na eleição de 1992, faltando a realização do segundo turno e o Supremo não reconheceu esse tempo como válido para lhe ser imputado como tempo de permanência no exercício da presidência para que concorresse a mais um mandato e que ainda representa o povo angolano, fugiu da raia. Não disse nada. Não está sozinho. Muitos se esconderam e agora estão a ser intimado a se posicionarem. O tempo também não vai bem para outros.
Tirando isso, um outro aspecto positivo desse caso é que colocou angolanos na mesa do debate. O único caso que me vem à memória que conseguiu botar angolanos na mesma roda da discussão foi o “caso Kiala”. Isso aconteceu no início dos anos 80, quando o 1o de Maio foi acusado de inscrever o jogador Kiala irregularmente. Na época os “proletários”, equipe da província de Benguela, lideravam o campeonato Nacional da primeira divisão deixando na poeira equipes, da capital, até então temidas, como o 1o de Agosto de Alves, Ndongala, Napoleão, Petro de Jesus, Desportivo da TAAG de Eduardo Machado, Progresso do Vata, Inter do Quinito etc. O Jornal de Angola, programa Desportivo da Rádio Nacional de Angola (que ia ao ar depois do Jornal das 13:00 horas), o “JDM – Jornal Desportivo Militar” ficaram a semana toda cantando que a equipe do Sarmento, Maluka, André, Fusso e outros perderia todos os pontos e iria para a última posição. No domingo seguinte, os proletários escalaram o Kiala, insubordinadamente.
Se a equipe em questão fosse 1o de Agosto, de Vanduném, de Luanda, talvez a imprensa oficial ficasse caladinha. Mesmo não sabendo exatamente o que Miala fez, diz o velho ditado, "na briga de comadres alguma verdades vêm à tona” e quanta verdade...
Depois de tudo, nós deveríamos parar tudo. Deveríamos zerar tudo. Começar tudo de novo. Construir um novo país. Passar os corruptos para a reforma compulsória por quatro anos para que aproveitem bem o dinheiro que desfalcaram dos cofres públicos. A nova geração deveria elaborar uma nova constituição por meio de Assembléia convocada para essa finalidade, construção de nova capital em local neutro, novo hino nacional, nova bandeira (BSantos), novas políticas de Estado, criar políticas que respeitem a pluralidade lingüística e étnica do povo angolano. Por exemplo, se o presidente for Kimbundo, o primeiro Ministro, um Cabinda; o presidente da Assembléia um Ovimbundo; o presidente do supremo um Thokwe. Isso também exigiria mandatos curtos do presidente do Tribunal Supremo. Nesses cargos também dever-se-ia levar em consideração questões religiosas, raciais, de sexo, enfim, mesmo que sejam do mesmo partido. O sistema que temos está muito viciado e, pior, apodrecido. Mudar é questão de justiça social. É progresso. É acabar com a exploração do homem pelo homem. Exploração é uma mala sem alças. Há, porém, malas que vão para Belém e o caso Miala é uma delas. Angola avante, pátria unida e liberdade para Miala.
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